Contrato de trabalho – Cargo de confiança        

Resumo: Este procedimento trata do cargo de confiança, o empregado de confiança imediata, a reversão ao cargo efetivo, a transferência de local de trabalho e jurisprudência sobre o assunto.

1. Introdução

Todo contrato de trabalho pressupõe a existência de confiança mútua dos contratantes em relação aos direitos e às obrigações pactuadas.

O empregado é admitido para uma função, desenvolvendo uma atividade necessária para que a empresa alcance seus objetivos. E, a partir do momento em que ocupa cargo de confiança, não só exerce uma função, como também assume uma incumbência, um encargo, constituído, por exemplo, de atribuições para que, agindo em nome do empregador ou como se fosse este, desenvolva atividades com total ou relativa autonomia e poder de mando.

A legislação não define o que deve ser entendido por “cargo de confiança”. Os doutrinadores defendem o entendimento de que exerce esse cargo o trabalhador que tem autonomia para tomada de importantes decisões na empresa, substituindo a figura do empregador.

2. Empregado de confiança imediata

O vínculo empregatício se caracteriza pela existência de prestação de serviços não eventuais, subordinação do empregado e pagamento de salários.

A subordinação hierárquica às normas disciplinares imposta pela empresa, em relação ao ocupante de cargo de confiança imediata do empregador, é substituída, parcial ou totalmente, pelo dever de aplicação, zelo, dedicação e fidelidade aos objetivos da empresa.

Quanto menor a sua subordinação às ordens gerais do empregador, em decorrência de sua qualificação técnica ou científica, maiores serão suas responsabilidades.

2.1 Gerente ou denominação análoga

Às vezes, o termo gerente, por si só, não vem configurar cargo de confiança que, para tal, exige análise caso a caso, pois a relação funcional e profissional entre empregado e empregador é o suporte básico para a constatação de cargo de confiança, na medida em que a relação se torna mais estreita, às vezes confundindo-se a mera prestação de serviços com o exercício efetivo de poderes inerentes exclusivamente ao empregador.

Gerente, diretor, chefe de departamento ou filial, ou outro nome que se dê ao empregado ocupante de cargo de confiança pressupõe alguém com mandato para praticar atos inerentes à faculdade privativa do empregador (gestão de negócios), tais como direção, planejamento, fiscalização etc., dentro de sua área de influência e atuação.

( CLT , art. 62 , II)

2.2 Jornada de trabalho

O gerente, diretor e chefe de departamento ou filial, exercente de cargo de gestão, normalmente também se diferencia dos demais empregados pelo padrão mais elevado de seus salários.

Quando seu salário, acrescido de gratificação de função, se houver, for superior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%, não estará sujeito às normas estabelecidas pela CLT , relativas à duração do trabalho, o que desobriga a empresa de pagar-lhe horas extras.

( CLT , arts. 58 , 59 , 60 , 61 e 62 )

2.3 Obrigatoriedade ou não de anotação da jornada

Dúvida muito comum verificada no departamento de pessoal das empresas diz respeito à possibilidade legal de dispensar supervisores, coordenadores e demais empregados que detêm cargo de chefia da marcação de ponto.

Para a solução da questão é necessária a análise da legislação atinente ao assunto.

O § 2º do art. 74 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que, para os estabelecimentos com mais de 10 trabalhadores, será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, devendo haver pré-assinalação do período de repouso.

Notas

(1) Por meio da Portaria MTE nº 1.510/2009 , foi disciplinado o registro eletrônico de ponto e a utilização do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto (SREP).

O SREP é o conjunto de equipamentos e programas informatizados destinado à anotação por meio eletrônico da entrada e saída dos trabalhadores das empresas e deve registrar fielmente as marcações efetuadas, não sendo permitida qualquer ação que desvirtue as suas finalidades.

O Registrador Eletrônico de Ponto (REP), cujo uso será obrigatório a partir de 1º.01.2012 (Portaria MTE nº 1.979/2011 ), para as empresas que optaram pela marcação eletrônica da jornada, é o equipamento de automação utilizado exclusivamente para o registro de jornada de trabalho e com capacidade para emitir documentos fiscais e realizar controles de natureza fiscal, referentes à entrada e à saída de empregados nos locais de trabalho.

(2) Considerando as dificuldades operacionais ainda não superadas em alguns segmentos da economia para implantação do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto (SREP), o Ministério do Trabalho e Emprego, por intermédio da Portaria MTE nº 2.686/2011 , alterou o prazo para início da utilização obrigatória do REP, previsto no art. 31 da Portaria MTE nº 1.510/2009 , para:

a) a partir de 02.04.2012, para as empresas que exploram atividades na indústria, no comércio em geral, no setor de serviços, incluindo, entre outros, os setores financeiro, de transportes, de construção, de comunicações, de energia, de saúde e de educação;

b) a partir de 1º.06.2012, para as empresas que exploram atividade agroeconômica nos termos da Lei nº 5.889/1973 ;

c) a partir de 03.09.2012, para as microempresas e empresas de pequeno porte.

A pré-assinalação consiste na anotação prévia do horário destinado a alimentação ou repouso, efetuada pelo empregador no documento de marcação da jornada.

Dessa forma, constata-se que a marcação do horário de trabalho constitui procedimento obrigatório em todos os estabelecimentos que possuem mais de 10 empregados, não podendo a empresa, ainda que o queira, dispensar seus empregados da adoção dessa prática.

Não obstante o anteriormente exposto, o art. 62 da CLT , com as alterações introduzidas pela Lei nº 8.966/1994 , estabeleceu exceções a essa regra ao determinar que não são abrangidos pelo capítulo da “Duração do Trabalho” ( CLT , arts. 57 a 75 ):

a) os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na ficha ou folha do livro de registro de empregados (parte de “Observações”), bem como na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) (parte de “Anotações Gerais”); e

b) os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto no mencionado artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.

Portanto, os trabalhadores mencionados nas letras “a” e “b” não se encontram obrigados a anotar a hora de entrada e saída no trabalho, não fazem jus a horas extraordinárias, não se submetem a acordos de prorrogação, compensação e banco de horas, não auferem adicional noturno e não observam intervalos durante e entre jornadas de trabalho.

Todavia, o próprio legislador, visando instituir um mecanismo de proteção ao trabalhador, estabeleceu que não estão compreendidos na exceção constante da letra “b” os empregados cujo salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, seja inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%.

A dúvida acerca de ser ou não obrigatória a marcação de jornada por partes dos empregados que exercem cargo de chefia reside no fato de a Lei nº 8.966/1994 não ter conceituado expressamente a figura do gerente exercente de cargo de gestão.

Dada a inexistência da definição legal, a concepção de gerente e chefe de departamento ou filial vem provocando intensa discussão no âmbito do direito do trabalho.

A maioria dos doutrinadores e juízes trabalhistas defende o entendimento de que o exercício do cargo de gestão ou cargo de confiança retratado no art. 62 da CLT , e que dispensa o empregado da marcação da jornada, não é a fidúcia normal sem a qual a relação empregatícia não pode subsistir, posto que todo empregador deve confiar no seu empregado e vice-versa, sob pena de tornar impossível a existência do próprio contrato de trabalho. Portanto, essa confiança é inerente a qualquer contrato e não se confunde com a fidúcia que deve existir entre o empregador e o empregado exercente de cargo de confiança ou cargo de gestão, uma vez que esta última é especialíssima, sendo retratada pelo poder de autonomia nas decisões importantes a serem tomadas, poder este em que o empregado substitui o empregador, independentemente da esfera de sua atuação (administrativa ou técnica).

Ante o exposto e considerando que o termo “gestão” tem por significado a administração, a gerência, entendemos que exercem cargo de gestão aqueles que podem gerir, ou seja, aqueles que comandam, administram, guiam, interferem e participam das decisões relativas ao destino da empresa. A gestão ou confiança mencionada no art. 62 da CLT exige o exercício do amplo poder de mando.

Dessa forma, tais trabalhadores não só devem ter empregados sob seu comando, como precisam ter autonomia para contratar, demitir, disciplinar, assalariar etc. Essa situação os distingue sobremaneira dos simples chefes de departamento ou de filial, bem como dos gerentes, que, apesar da denominação, não gozam de tais poderes, sendo, na maioria das vezes, subordinados a outros gerentes.

Assim, entendemos que se o empregado no exercício do cargo de confiança (gestão) substitui o próprio empregador, isto é, embora não sendo o dono da empresa ou do negócio, detém poderes de tal monta que o diferencia dos demais trabalhadores, pois age como se empregador fosse (contrata, disciplina, assalaria etc), e desde que aufira remuneração no mínimo superior em 40% à remuneração do cargo efetivo, estará dispensado da marcação da jornada de trabalho por enquadrar-se na situação prevista no art. 62 da CLT .

Caso contrário, ou seja, se mesmo tendo a denominação de gerente, chefe, supervisor etc, não goza dos poderes mencionados, não estará abrangido pela situação descrita no mencionado art. 62 da CLT , hipótese em que estará sujeito ao controle de horário, nos termos legais, devendo por conseqüência efetuar a marcação do horário de entrada e saída.

À mesma sujeição (marcação da jornada) estará também aquele empregado que apesar de deter poder de mando aufere remuneração inferior à remuneração do cargo efetivo acrescida de 40%.

Para maior compreensão do tema, seguem exemplos de empregado ocupante de cargo de chefia.

Exemplos

1) Gerente ou ocupante de cargo de chefia com poder de mando na empresa (contrata, assalaria, demite etc) na seguinte situação:

Salário efetivo = R$ 4.000,00

Acréscimo pelo exercício do cargo de confiança = R$ 2.500,00

Total = R$ 6.500,00

Nesse caso, o total da remuneração é superior ao salário efetivo do cargo, acrescido de 40% (R$ 4.000,00 + 40% = R$ 5.600,00). Portanto, esse empregado atende aos requisitos do art. 62 da CLT , estando assim dispensado da marcação de jornada.

2) Gerente ou ocupante de cargo de chefia com poder de mando na empresa (contrata, assalaria, demite etc) na seguinte situação:

Salário efetivo = R$ 4.000,00

Acréscimo pelo exercício do cargo de confiança = R$ 1.000,00

Total = R$ 5.000,00

Nesse caso, o total da remuneração (R$ 5.000,00) é inferior ao salário efetivo do cargo, acrescido de 40% (R$ 4.000,00 + 40% = R$ 5.600,00). Portanto, esse empregado, apesar de exercer função de chefia, não se enquadra nas disposições do inciso II do art. 62 da CLT , ou seja, está sujeito às normas de duração do trabalho, devendo, ser submetido à anotação da jornada.

3) Gerente ou ocupante de cargo de chefia sem poder de mando na empresa (não contrata, assalaria, demite etc).

Nessa situação, independentemente da remuneração auferida e da denominação do cargo, o empregado está obrigado à marcação da jornada por não exercer encargo de gestão.

Reproduzimos a seguir algumas decisões judiciais sobre o assunto.

“Gerente – Enquadramento no artigo 62 , II, da Consolidação das Leis do Trabalho – Gerente de loja, com autonomia no exercício de suas funções, investido em poderes de mando e gestão, sem subordinação a superior hierárquico nem controle de jornada e que aufere salário em padrão muito superior ao dos demais empregados da empresa, está subsumido na norma do artigo 62 , II, da CLT . Decisão do Tribunal Regional nesse sentido não fere a norma legal em foco, tampouco diverge da tese esposada em aresto que não rebate o fundamento do acórdão revisando, atraindo a incidência da Súmula nº 296, I, do TST…” (TST – RR 603.508/1999.3 – 1ª Turma – Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa – DJU 03.02.2006)

“Horas extras – gerente bancário art. 62 , II, da CLT não-aplicação – Quando o Regional consigna que o reclamante, no desempenho da função de gerente de produção, só podia assinar contratos de empréstimos ou cheques em conjunto com outro colega; que ele não tinha poderes para liberar créditos, e, ainda, que existia empregado em posição hierárquica superior, não há dúvida de que ele não exercia o cargo de gestão a que alude o art. 62 , II, da CLT e, por essa razão, não tem pertinência o seu enquadramento nesse dispositivo. Recurso de revista não conhecido.” (TST – RR 100193/2003-900-04-00.7 – 4ª Turma – Rel. Juiz Conv. José Antonio Pancotti – DJU 11.11.2005)

“Horas extras – Cargo de confiança – Gerente responsável pela decoração das lojas tem trabalho limitado à sua área específica. Poderes incapazes de colocar em risco um empreendimento, mormente em se tratando de rede internacional de hipermercados com inúmeras sedes espalhadas em todas as principais cidades do país. Inaplicável a exceção do artigo 62 , II, da CLT .” (TRT 2ª Região – RO 01825-2005-007-02-00 – (20060386759) – 6ª Turma – Rel. p/o Ac. Juiz Rafael E. Pugliese Ribeiro – DOE SP 14.06.2006)

“Do cargo de confiança – Gerente de varejo e de atendimento – Art. 62, inciso II, da CLT – O gerente de agência bancária tem normatividade especial quanto à jornada de trabalho, estando a função de gerência expressamente referida na exceção do parágrafo segundo do artigo 224 da CLT , dentre outras. Assim, ao gerente de banco não se aplica a norma geral inserta no artigo 62 , II, da CLT . Tal se justifica plenamente, na medida em que o gerente de agência bancária não exerce verdadeiros encargos de gestão da instituição financeira, o que compete à diretoria do Banco. Recurso negado.” (TRT 4ª Região – RO 00097-2000-801-04-00-9 – Rela Juíza Ione Salin Gonçalves – J. 11.05.2006)

“Recurso ordinário do reclamado – Horas extras – Cargo de confiança – Espécie em que o reclamante não exercia função de confiança passível de enquadramento no art. 62, inciso II, da CLT. O fato de ser Subgerente e Gerente de Farmácia não o exclui da regra geral acerca da duração do trabalho, frisando-se que a prova produzida não indica detivesse poderes de gestão, embora a percepção de gratificação pelo exercício de função de maior responsabilidade. Provimento negado…” (TRT 4ª Região – RO 00192-2003-005-04-00-5 – Rela Juíza Vanda Krindges Marques – J. 17.05.2006)

“Das horas extras – Cargo de confiança – A simples denominação do cargo como sendo gerente, por si só, não faz incidir a regra de exceção do artigo 62, inciso II, da CLT , devendo ser verificada a efetiva existência de poderes de mando e gestão, bem como fidúcia especial.” (TRT 4ª Região – RO 00656-2004-001-04-00-9 – Rela Juíza Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo – J. 10.05.2006)

“Gerente – Horas extras – Artigo 62, inciso II, da CLT – Configuração – Hipótese em que o reclamante exerceu, de fato, cargo de gestão, mas sem percepção de salário/gratificação de função superior a 40% do salário do cargo efetivo, de forma destacada. Conclusão, todavia, de inserção do demandante na exceção do art. 62 , II, da CLT , visto que exerceu a função de gerente desde a admissão e porque o salário percebido era mais de 40% superior ao piso salarial da categoria, indicando que englobava esses 40%.” (TRT 4ª Região – RO 00583-2004-121-04-00-8 – Rela Juíza Maria Inês Cunha Dornelles – J. 22.02.2006)

“Horas extras – Gerente de loja – Art. 62 , II, da CLT – Pela simples leitura do art. 62 da CLT , verifica-se que as regras inerentes à duração da jornada de trabalho não são aplicáveis a todos empregados, especialmente àqueles que exercem as funções apontadas no inciso II. Entretanto, para que fique configurada quaisquer uma das referidas funções, é necessário que a atividade exercida confira amplos poderes de mando e gestão ao trabalhador e que este perceba salário diferenciado dos demais empregados da empresa. Logo, restando comprovado que os poderes do reclamante, enquanto gerente de loja, não atingiam o status que a Lei exige como requisito essencial à isenção do controle de jornada, o labor extraordinário deve ser remunerado…” (TRT 10ª Região – RO 00196-2006-016-10-00-7 – 1ª Turma – Rel. Juiz Pedro Luis Vicentin Foltran – J. 13.09.2006)

 Fonte

IOB Online